terça-feira, 1 de abril de 2008

A Grande Mentira

Os risos abafados se revezavam com escassos e singelos choros e exclamações de dor. Os sorrisos pelo ambiente se misturavam com as lágrimas. Aquilo poderia parecer tudo, menos o que era. Um velório.

Mas como esperar uma morte comum, de alguém que, em momento nenhum da vida, tivera essa característica como marca de sua personalidade? Não, ele não era comum. Nem incomum ou raro. Ele era único.

Seus pais, um palhaço aposentado e uma professora primária de história, deram-lhe o nome de Lord Kimb. Uma analogia, é claro ao Deus Nórdico da trapaça, LoKi. E nunca um nome serviu tão bem à uma pessoa, quanto para ele. Não se sabe se o nome o tinha inspirado, a fazer o que fazia, mas uma coisa era certa: ninguém tinha a capacidade de enganar tão bem quanto ele.

Desde criança, ele manifestava essa peculiaridade. Induzia os colegas todos a se unirem para realizarem alguma coisa grande, que seria impossível de ser feita sozinha, e enganava a todos para conseguir o que queria, ou muitas vezes por capricho, para mostrar a sua superioridade em relação aos demais. Quem poderia resistir aquele enorme e carismático sorriso? Sem mencionar os olhos, tão verdadeiros que pareciam falsos! E tão falsos, que pareciam verdadeiros...

Mas isso era só o começo daquela longa, e agora trágica, jornada através dos diversos campos da manipulação e da perspicácia. As "brincadeiras" foram ficando maiores, assim como os desejos e a megalomania mais do que insana. Cada vez mais, ele queria provar que era superior, melhor, mais esperto. E usava de todas suas artimanhas para enganar qualquer um que "ameaçava" sua hegemonia intelectual.

Aos poucos o que começou como diversão, foi se tornando seu modo de vida. Ele não trabalhava mais. Não era necessário. A facilidade em aplicar um golpe, e a enorme rentabilidade que eles lhe proporcionavam, era mais do que suficiente para largar toda e qualquer tentativa de "vencer" honestamente.

Não, ele não precisava disso. Isso era para os fracos, os desprovidos de um intelecto superior como o dele. Ele era melhor que todos eles e não iria perder seu tempo naquele ciclo vicioso que não o levaria a lugar nenhum. Pra que usar a escada, se ele tinha um elevador a sua disposição?

Ele não acreditava em Deus. Ou talvez até acreditasse, mas a idéia de ter alguém que sabia mais que ele, era assustadora. Ele acreditava nele mesmo. E era mais do que suficiente.

Já tinha interpretado todo tipo de papel naquela enorme peça que era a vida. E com um palco do tamanho da Terra, oportunidades era o que não lhe faltava. Empresário de sucesso, esportista premiado, autor de best-sellers, herdeiro de uma nobre família inglesa, professor acadêmico (e este tinha tido um sabor mais do que especial! Como fora bom enganar aqueles que se julgavam mais inteligentes que ele!), arqueólogo, em raras ocasiões, até mesmo mendigo. Cada papel que "interpretava", lhe dava a certeza de que ele era o melhor que todos os outros.

Mas como toda boa tragédia, o teatro da vida reservava suas surpresas e ironias. Aquela certeza de superioridade que Lord Kimb sempre buscou, aquela que ele julgava ser sua maior vantagem, acabou se transformando na sua maior fraqueza.

Aquela megalomania excessiva, aquele senso de superioridade imenso, o egocentrismo mais do que exacerbado, fizeram com que o trapaceiro fosse pego em sua própria trapaça. Ele, que desde o começo tratava seus jogos manipuladores como obras de arte, cometera o maior erro que um artista como ele poderia cometer. Assinar sua obra.

Ninguém nunca tinha descoberto suas farsas, e no final, ele sempre saia rindo de tudo e de todos, idiotas inferiores, que só serviam para sua sádica diversão. Mas por um pequeno descuido, um simples ato falho, fez ruir seu império de sadismo e mentiras. Ele fora descoberto. Alguém, em algum lugar, tinha conseguido ganhar dele em seu próprio jogo.

Existe algo pior para alguém que se achava superior por ser perfeito na arte de enganar, do que ser enganado? Aquilo era mais do que ele poderia suportar. Aquela busca pela perfeição o tinha deixado louco, e a descoberta que ele não era imune o fizeram tomar aquela última e desesperada atitude.

Uma arma em punho, uma bala no tambor, um dedo no gatilho, um barulho ensurdecedor e um rastro de sangue. Tudo tinha ido embora em um instante, em um segundo. Toda aquela teia de falsidades que ele teceu ao longo da vida, ruira com uma simples bala. O teatro da vida tivera seu Gran Finale.

O seu velório continuava com aquele jeito peculiar. Mas pra uma vida repleta de peculiaridades, o que seria uma morte simplória? Ele vivera pela mentira, e não tinha outro jeito de morrer, se não fosse por ela. E mesmo após a morte, as mentiras continuavam. Fosse tristeza, fosse alegria, a sinceridade não era algo presente naquele lugar.

Mas quem sabe, aquele enorme e carismático sorriso, aliado com aquele olhar verdadeiro, não tivera a chance de realizar uma última e derradeira trapaça? Quem sabe ele não tenha tido a chance de enganar a própria morte e esteja vagando por aí, como um mendigo, um professor, ou um empresário de sucesso, como um coadjuvante a espera de reassumir seu papel de destaque na maior de todas as peças? Sinceramente? Não sei...

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Feliz dia da Mentira!

23 comentários:

Arthur Lopes disse...

devo dizer que,alem de o texto ser mto bom,conheço alguem quase assim...só que ele sempre erra e a gnt sempre sabe q eh mentira...

Camila C Valadares disse...

O cara se achava perfeito, porém morreu por agir de modo contrario a sua noção de perfeição. Adorei o texto. MUITO BOM!

Anônimo disse...

Bom, vc jah sabe quem eh, neah?
hehe
Oh, Amei o texto.. Acho que nem tenho mais palavras pra te elogiar..
Ficam cada vez melhores! ;)
Parabéns!!
BRILHANTE!

Anônimo disse...

Nossaaaa...muito bom..cada dia aparece um texto melhor do que o outro aqui!!
Parabéns!!!
mtoo bom!!

Bjoo

Anamélia ;) disse...

Primo,não canso de dizer que você se supera a cada dia!
Quanto à continuação, estou esperando! :P
Ah, e Feliz dia da mentira atrasado!
HAIUHWEaiuehIEHiuheiHEiuhe
Beeijos ;***

Everaldo Ygor disse...

Olá...
Um ótimo texto, nesse teatro da vida, me recordo do teatro do oprimido, poderiamos contar e recontar todos os fatos, e observar os enganadores e enganados, por diversos angulos... Enfim viver pela mentira, talvez seja uma arte...
Ótimo
Abraços
Everaldo Ygor
Visite:
http://outrasandancas.blogspot.com/

♥MáH♥ disse...

Vc escreve bem né?
Dias desses a professora da faculdade pediu um conto... nem te "conto" o resultado que saiu... rss

Quanto a esse cara aí do texto... conheço alguns exatamente como ele... mas, aqui na vida real a máscara também cai.

bjinhuus

Unknown disse...

Tem gente que foge da realidade pra viver de mentira simplesmente pq se sente mais feliz assim e nada podemos fazer...

Lord Kimb era um gênio? Um louco?
Sinceramente.. não sei.

Blog mto bom =]

Thays Leal disse...

E já estou eu aqui, de novo! Só você mesmo, Puime!

Como pedido do próprio, passando pra deixar aquele comentário experto!

Mais um texto simplesmente Supimpa! ;) Mui bom!
Contudo, espero a continuação daquele...

Beijão, moço!

Cláudio Apolinário disse...

tá arrebentando nos textos! se continuar assim vai virar livro!

Follow the Answer disse...

Ás vezes a mentira é a unica verdade que temos... o que nos faz sorrir, o que nos faz levantar de manhã e ver com ânimo o novo dia.

Enquanto mentira, é edificante.Só passa a ser cruel e devassadora quando deixa de o ser.

O "Gran Finale" do teatro da vida não extingue a menira, propaga-a pelos seus personagens.

Anônimo disse...

Ótimo texto. Como disseram, se continuar assim vira livro.

marina. disse...

Pior é que eu conheço gente assim
só que sem o fim trágico (pelo menos por enquanto ;x)
ahdauiehdauiehduiaehis

Lucas Conrado disse...

Adorei o texto! Me fez lembrar a música "I Started a Joke" do Bee Gees.
Acho que todos conhecemos alguém assim, mas nem sempre o final é tão trágico. Na verdade, depois de ver tantas coisas nesses meus 19 anos de vida, tenho certeza que finais trágicos são cada vez mais raros pra essas pessoas, o que é uma pena...

Marcos Costa Melo disse...

Bom texto, ao longo da leitura vamos lembrando de várias figurinhas assim no nosso cotidiano.

Gostei especialmente do trecho que diz não acreditar em Deus porque a idéia de alguém que soubesse mais do que ele o assustava.

Ótima sacada.

abraços

Anônimo disse...

Primeiramente parabéns pelo blog!



O texto é maravilhoso amei esse trecho:
"Sem mencionar os olhos, tão verdadeiros que pareciam falsos! E tão falsos, que pareciam verdadeiros..."

Rafael Aguiar disse...

Nossa... Nossaaa...

Meu que vida! Que estória!
Virei seu fã, e olha que descobri seu blog por acaso, vou dar mais uma fuçada pra comentar mais =D

parabens, sou seu fã

rodrigocherene disse...

não há dia da mentira feliz, todos são tristes

ótimo texto

paz

Anônimo disse...

HUUMMMMMMMM!
Gostei do que li!
Volto mais vezes e xeterarei por aqui.

Uma certa cecilia disse...

Não sei exatamente se a culpa é somente de Lord Kimb. As pessoas que estavam ao seu redor também parecem bem mentirosas, pois acreditavam em suas mentiras. Ninguém consegue enganar durante tanto tempo sem que ninguém perceba. Se alguém percebeu, omitiu essa percepção, o que também caracteriza uma farsa.

Ótimo texto, seu blog está linkado ao meu desde que o vi na comunidade do Blog para Adultos.
Grande abraço!

Denise Machado disse...

Bem...
Não esperaria menos de vc, um texto escrito claramente. Um assunto comum e até mesmo muito explorado, difícil de sair da mesmice, mas vc surpreende.
Sou sua fã, sabe disso.

Dedinhos Nervosos disse...

Por mais que os pais tentem não ver o verdadeiro caráter dos filhos, eles sabem o que estão criando. Eu acho que o erro começa aí, no berço. E continua pelo resto da vida, através dos tios, que acham que esperteza é sinal de muita inteligência e aplaudem os maus feitos. Depois é a vez dos amigos, que são sempre surpreendidos por idéias mirabolantes para matar aula, colar, falsificar assinatura dos pais em provas com notas baixas. E por aí vai.
Tem muito Lord Kimb por aí, principalmente na política.
Excelente texto.
Bjos.
Ps. Sempre venho aqui. Kd os textos novos? ;o)

Anônimo disse...

necessario verificar:)