Se é verdade que nos seus "minutos finais" você vê a sua vida toda passar como um filme através dos olhos, então esse momento chegara. Não que ele quisesse partir, mas ele já não tinha a força (e nem a determinação) necessária pra ficar. Mas ao contrário do que pensavam, ele não se incomodava nem um pouco com isso.
Em números, ele tinha vivido pouco, é verdade. Mas tinha vivido cada pequeno momento, cada segundo de sua existência de uma maneira tão intensa, que era um grande equívoco dizer que ele vivera pouco. Em pouco tempo, ele vivera muito.
E o filme começava como aqueles filmes infantis, com ele no auge de seus nove anos, correndo atrás do cachorro, no quintal (e que quintal!) da casa dos avós maternos. A goiabeira em que ele costuma subir pra roubar as frutas e se deliciar durante toda a tarde ainda estava lá. E que saudade daquela goiabeira. Ou melhor, que saudade daquela infância!
A próxima cena do filme já era aquele clássico clichê de filme adolescente norte-americano. Os tempos áureos do colégio (de freira, é lógico), em que nada mais importava além das garotas. E com as primeiras paixões, vieram as primeiras decepções, os primeiros porres e os primeiros (de muitos) recomeços. E estava tudo novamente ali, na sua frente.
Cada momento importante vivido estava agora ali, na sua frente, naquela película imaginária a qual somente ele era capaz de ver. E a trilha sonora desse filme só era atrapalhada pelo som ritmado que vinha dos aparelhos. E que aos poucos iam diminuindo o ritmo.
Os presentes naquele momento, vez ou outra também estavam presentes no seu "filme" (e ele não entendia até agora como teve coragem de usar aquele cabelo!). E talvez, mais tarde, eles se encontrassem novamente, num remake ou numa continuação daquele filme biográfico. Mas saber que as pessoas que realmente importavam pra ele estavam presentes em momentos igualmente importantes já era satisfatório o suficiente.
E aos poucos, a sua viagem ia chegando ao ponto final (ou talvez ao ponto de partida!). Os compassos ritmados de seus batimentos cardíacos eram cada vez mais lentos. E o sorriso em sua face, cada vez maior. Ele partia, mas partia feliz.
O momento nostálgico havia chegado ao fim. Talvez o "fim" fosse só o começo. Talvez agora, ele pudesse subir novamente naquela velha goiabeira da casa dos seus avós maternos, da qual não restava nem um tijolo. A única certeza naquele momento, era que ele partia com a sensação de dever cumprido.
O som dos aparelhos havia parado. O último acorde da sua orquestra vital acabara de ser tocado. As lágrimas rolavam pelo quarto. O único sorriso naquele momento, era dele.
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Aproveitando o post pra agradecer a Denise que me mandou esses 2 selos pro meu blog! E indicar mais 3 que valem a pena!
Vírgula Antenada
Arthur Lopes
Blog do Barzinho
E mandar meus sinceros agradecimentos pra todos que visitam essa budega aqui! Que sem vcs isso não ia pra frente! Valeu!
terça-feira, 19 de fevereiro de 2008
sábado, 16 de fevereiro de 2008
O destino da solidão... Ou a solidão do destino...
Todas as noites, no mesmo banco no canto do balcão, com a mesma dose de whisky e o mesmo olhar pensativo. Ninguém sabia seu nome, o que fazia ou de onde vinha. Era conhecido como Solitário mas acho que em sua solidão, ele estava melhor acompanhado que a maioria de nós.
Nos primeiros meses, todos se indagavam quem seria o misterioso homem. Mas com o passar dos anos a sua presença e os seus motivos deixaram de ser assunto. Alguns achavam que ele escondia um passado terrível. Outros, que ele tinha medo do futuro. E outros simplesmente nem ligavam pra ele.
Em todos aqueles anos, o Solitário só falara 2 vezes. Na primeira vez que chegou, que me pediu uma dose de whisky, e alguns anos depois, com uma mulher que queria fazer-lhe companhia.
Fora um fato curioso. Me lembro daquela noite como se fosse hoje. Tudo parecia no lugar, os bêbados discutindo, os rapazes na sinuca e ele mais uma vez estava entretido no seu silêncio. Até a aproximação dela...
O perfume era doce demais, e a maquilagem mais do que necessária. Mas ela era uma mulher bonita. Bonita o suficiente para não esperar esquivas ou rejeições, de quem quer que fosse. Ela ia se aproximando lentamente, tentando puxar assunto, tentando fazer ele esboçar qualquer reação. O mistério em torno dele o tornava um objeto de desejo para ela. Mas a única coisa que ela conseguiu fazer (e já foi mais do que qualquer outro jamais conseguiu), foi ouvir:
- Não tire minha solidão se não conseguir me oferecer uma companhia que realmente valha a pena...
Foi um momento único, e como todos os momentos únicos, nunca mais se repetiu. E não era preciso. A cara desconcertada dela, e a expressão imutável dele mostravam o contraste de valores da situação para cada um deles. Para ela, uma ofensa fatal. Para ele, era como se nada tivesse acontecido.
E os anos foram passando. Os traços da idade apontavam gradativamente em meu rosto, mas ele parecia ser imune as areias do tempo. Os anos passaram e ele não mudara nada, sempre com a mesma expressão, com a mesma dose de whisky e com o mesmo olhar pensativo.
Confesso que eu sentia um afeto quase fraternal pelo Solitário. Afinal, após vários anos de "convivência", a gente acaba se preocupando com as pessoas, por mais distantes que elas pareçam estar. E foi por causa disso que eu senti como se tivesse perdido um irmão quando ele simplesmente desapareceu.
A opinião geral é que ele morrera no trajeto pra casa. Outros, mais criativos, dizem que seu passado terrível fora descoberto e ele teve que ir embora. Uns dizem que finalmente o destino o encontrou.Mas eu prefiro acreditar que ele finalmente foi de encontro ao seu destino. E torço com todas as minhas forças que ele o tenha encontrado...
Nos primeiros meses, todos se indagavam quem seria o misterioso homem. Mas com o passar dos anos a sua presença e os seus motivos deixaram de ser assunto. Alguns achavam que ele escondia um passado terrível. Outros, que ele tinha medo do futuro. E outros simplesmente nem ligavam pra ele.
Em todos aqueles anos, o Solitário só falara 2 vezes. Na primeira vez que chegou, que me pediu uma dose de whisky, e alguns anos depois, com uma mulher que queria fazer-lhe companhia.
Fora um fato curioso. Me lembro daquela noite como se fosse hoje. Tudo parecia no lugar, os bêbados discutindo, os rapazes na sinuca e ele mais uma vez estava entretido no seu silêncio. Até a aproximação dela...
O perfume era doce demais, e a maquilagem mais do que necessária. Mas ela era uma mulher bonita. Bonita o suficiente para não esperar esquivas ou rejeições, de quem quer que fosse. Ela ia se aproximando lentamente, tentando puxar assunto, tentando fazer ele esboçar qualquer reação. O mistério em torno dele o tornava um objeto de desejo para ela. Mas a única coisa que ela conseguiu fazer (e já foi mais do que qualquer outro jamais conseguiu), foi ouvir:
- Não tire minha solidão se não conseguir me oferecer uma companhia que realmente valha a pena...
Foi um momento único, e como todos os momentos únicos, nunca mais se repetiu. E não era preciso. A cara desconcertada dela, e a expressão imutável dele mostravam o contraste de valores da situação para cada um deles. Para ela, uma ofensa fatal. Para ele, era como se nada tivesse acontecido.
E os anos foram passando. Os traços da idade apontavam gradativamente em meu rosto, mas ele parecia ser imune as areias do tempo. Os anos passaram e ele não mudara nada, sempre com a mesma expressão, com a mesma dose de whisky e com o mesmo olhar pensativo.
Confesso que eu sentia um afeto quase fraternal pelo Solitário. Afinal, após vários anos de "convivência", a gente acaba se preocupando com as pessoas, por mais distantes que elas pareçam estar. E foi por causa disso que eu senti como se tivesse perdido um irmão quando ele simplesmente desapareceu.
A opinião geral é que ele morrera no trajeto pra casa. Outros, mais criativos, dizem que seu passado terrível fora descoberto e ele teve que ir embora. Uns dizem que finalmente o destino o encontrou.Mas eu prefiro acreditar que ele finalmente foi de encontro ao seu destino. E torço com todas as minhas forças que ele o tenha encontrado...
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