terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Atitudes...

Ele estava sentado em frente ao balcão, uma garrafa de cerveja na mão, um cigarro nos lábios, e perdido entre seus milhares de pensamentos. Não era isso que ele tinha em mente quando resolveu investir na sua carreira de músico. Um bar cheio de bêbados que mal ligavam pro que ele tocava ou deixava de tocar não era bem o lugar em que ele imaginava que estaria quando se lançou em sua aventura musical.

E era justamente quando ele parava com o "show" e ia pro balcão, que ele se perguntava se era isso mesmo que ele queria. Tocar músicas que pouco o agradavam, somente para cumprir ordens, gastar seu vasto talento tentando entreter um bando de idiotas que nunca dariam valor ao seu trabalho. Era isso que ele queria de verdade?

Tudo bem, as noites as vezes rendiam algo a mais pra ele. De vez em quando, alguma garota assistia ele tocando e vinha falar com ele. Quando isso acontecia, era quase certo que no final da noite eles estariam transando em algum quarto por aí. Mas nunca passava disso, e na manhã do dia seguinte, as únicas companhias que lhe restavam era seu violão e seus cigarros.

O garçom avisou que estava na hora de voltar a tocar. Ele apagou seu cigarro, bebeu de um gole só toda sua cerveja, e se dirigiu ao palco, pensando em qual música idiota ele teria que tocar agora. Ele odiava tocar essas músicas, mas o dinheiro no final do mês era o suficiente pra bancar as despesas, então ele suprimia seu desejo de tocar suas próprias canções em prol da garantia do emprego.

Mas ele estava cansado disso tudo. E ele decidira a pouco que esta noite seria diferente. Pouco importava se ele perderia seu emprego, pouco importava se ele ouviria reclamações idiotas de seu patrão. Nesta noite, ele faria o que ele gosta.

Sentou no banco, pôs seu violão no colo e olhou pra "platéia". Como sempre, ninguém prestava atenção nele. Isso lhe deu coragem necessária pra tocar o primeiro acorde. E o segundo. E o terceiro. E numa seqüência perfeita de melodias, aproximou sua boca do microfone e cantarolou as primeiras palavras de uma de suas belas composições.

Seu chefe lançou-lhe um olhar fulminante por tocar algo diferente do combinado. Mas ele não ligou pra isso e continuou com sua música. Nada mais importava naquele momento. Ele estava finalmente, fazendo o que gostava.

Terminou o show daquela noite com uma rara satisfação. Nem mesmo os gritos e xingamentos que recebera de seu patrão puderam estragar o que ele sentia naquele momento. E as coisas ficaram ainda melhores quando uma bela garota se aproximou dele, elogiando aquela música que ele tocou quando voltou ao palco. A noite hoje prometia...

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Simplicidade...

Aos poucos ela foi se cansando de tudo. As coisas que antigamente a faziam sorrir, hoje mal fazem ela mexer os lábios. As coisas que a empolgavam, hoje a fazem ficar entediada. Ela poderia ter tudo, que continuaria se sentindo incompleta.

A chuva caia como se o mundo fosse acabar. Trovões eram ouvidos ao longe, e faziam a janela do seu quarto tremer. O vidro molhado com as gotas da chuva, a lembravam que ela estava presa dentro de seu próprio mundo.

Sua mãe estava na sala, como sempre, vendo a novela. Seu irmão, no computador, ignorando os avisos de sua mãe sobre os relâmpagos. Seu pai ficara preso em uma reunião no trabalho mais uma vez. Tudo estava onde deveria estar. Era sempre assim, a mesma rotina.

Ela estava cansada disso tudo. Nem os presentes que ganhava do pai, nem os garotos tentando conquistá-la, nem os filmes que outrora ela adorava, nada conseguia satisfaze-la por completo. Por mais que ela tentasse, tudo parecia incompleto.

E como se fosse a coisa mais normal do mundo, ela parou de olhar as gotas de chuva no vidro da janela, levantou-se da cama e foi em direção a porta. Desceu o lance de escadas, sem responder a pergunta do irmão. Passou pela sala. Sua mãe mal notara sua presença.

Foi até a cozinha e abriu a porta dos fundos. A chuva caia mais forte que nunca. O cheiro de terra úmida do jardim de sua casa era o mais doce perfume que ela poderia sentir. Os pés descalços tocaram a grama molhada. As gotas de chuva molhavam seus longos cabelos, e aos poucos encharcavam sua camisola.

Os gritos histéricos da mãe pouco importavam agora. O risco de adoecer, muito menos. Ela precisava fazer isso. E pela primeira vez em muito tempo, ela se sentiu completa. E o cheiro da terra úmida, o textura da grama molhada, a água da chuva em seu rosto a fizeram perceber uma coisa. Ela estava viva. Mais viva do que nunca...