Poucos sabiam de sua existência. Ficava trancafiada no quarto, com seus livros estranhos e sempre falando sozinha. Não tinha amigos e pouco se importava com isso. A "família" já não lhe dava mais tanta importância. Afinal, ela deixava claro, sempre que possível, que aquela não era e nunca seria sua família.
Sua mãe morrera no parto. Dela, as únicas coisas que restaram, foram os milhares livros guardados no seu quarto, os quais só ela sabia do que se tratavam, e a fama de ter conseguido o marido através de um antigo ritual demoníaco, passado por gerações no ramo feminino de sua família, que lhe custara a alma. O pai, um rico comerciante, morreu anos após o segundo casamento, quando ela não passava de uma simples criança. Mas sua ausência após a morte era pouco diferente de sua ausência em vida e isso fez com que ela se acostumasse, desde sempre, com a solidão.
Fora criada pela madrasta e suas 2 filhas. Mas o seu temperamento arisco e sua personalidade forte acabaram desgastando qualquer tentativa de relacionamento com as mulheres da casa. E pouco a pouco ela foi se isolando de tudo e de todos, até chegar o ponto de ficar trancafiada no quarto, ao ponto de ninguém saber o que ela fazia ou do que gostava. E ela estava bem assim.
Ninguém fora daqueles muros sabia como era o rosto da filha da bruxa. E nem precisava saber. Os dias, os meses, os anos passavam e ela continuava trancafiada no quarto, entretida nos livros da mãe. Até "aquele" dia.
Naquele dia ela completava seu décimo-oitavo aniversário. Naquele dia ela se tornava capaz de colocar em prática qualquer um dos ensinamentos dos velhos livros da mãe. Ela passara dezoito anos esperando esse dia. E esse dia finalmente tinha chegado.
Destrancou o quarto, foi até a cozinha e pegou uma abóbora. Trouxe-a de volta pro quarto e colocou seus ratos (sim, ela criava ratos no quarto, e os considerava seus "amigos") na abóbora, acendeu algumas velas e leu um dos velhos livros. Após alguns minutos recitando um velho poema em latim, uma fumaça densa tomou conta de seu quarto. A luz do Sol cessou e parecia que o tempo havia parado lá dentro. E no meio de tanto mistério, só se destacavam 2 olhos vermelhos brilhando através da densa fumaça na escuridão.
Não. Não existia fada-madrinha pra ela. E em pouco tempo (ou muito tempo, já que naquela dimensão criada na atmosfera do próprio quarto o tempo simplesmente não passava) ela selava seu acordo. Afinal, algumas almas eram um pequeno preço a pagar pela conquista de todos seus desejos e toda sua liberdade.
Naquela noite ela saira de casa pela primeira vez em anos. Fora a um aniversário de dezoito anos. Poderia ser o dela, mas não era. E enquanto andava pelas ruas em direção ao baile, vestidos e sapatos de couro, cabelos negros como a noite, e pele branca como a lua, foi observando os olhares atentos e hipnotizados sobre ela.
E dançou como nunca havia dançado. E conquistou como nunca havia conquistado. E entre essas danças e conquistas, achara seu "príncipe" que se tornara encantado após conhece-la. E foi embora a meia noite, como mandava o figurino. Não sem antes esquecer o sapato, não de cristal como nos contos de fada, mas de couro, pra combinar com sua personalidade.
E claro que seu príncipe buscou a dona do sapato. E claro que achou. E claro que acabaram se casando e se mudando pra uma mansão em algum lugar afastado de tudo. E claro que tudo terminou bem para a "mocinha" do nosso conto.
E quanto a madrasta e as irmãs?! Bom... aqueles olhos vermelhos não costumavam fazer acordos de graça...
_________
Porque contos de fadas podem ser mais sombrios do que parecem...
Voltando a postar. Ou não.
quarta-feira, 16 de setembro de 2009
segunda-feira, 30 de março de 2009
Pensamentos...
Eu me lembro bem da primeira vez que a vi. Seu olhar, o qual se mostraria diversas vezes perdido, transmitia uma sensação de segurança e satisfação de estar no lugar que estava. Orgulhosa de si, de suas conquistas e das recompensas que elas trouxeram pra sua vida. Tudo parecia ter finalmente se encaixado naquela confusa e agitada vida.
A primeira impressão que ela passava era de ser uma mulher de personalidade forte, determinada, diferente de todas e orgulhosa disso. Provavelmente eram os cabelos que causavam essa impressão, em certas partes verdadeira, diga-se de passagem. Cabelos esses de um vermelho tão forte e intenso que assustavam ao primeiro olhar, mas apaixonavam aos olhares seguintes. Ela sabia disso e usava, mesmo que inconscientemente esse poder de atração, de Femme Fatale, ao seu favor.
Tudo, pela primeira vez em anos, parecia estar no lugar onde sempre deveria estar. As brigas de família já não tinham tanta importância quanto antes. As brigas com o namorado muito menos. Aliás, que namorado?! As cobranças, as pressões, o que antes a enchia de angústia, tinham dado lugar aquela sensação de segurança que ela transmitia no olhar. Tudo, pela primeira vez em anos, parecia estar no lugar onde sempre deveria estar.
Mas como nem tudo são rosas (mesmo que aquelas rosas combinassem com seus cabelos), aquela sensação de segurança ia dando lugar a dúvidas e incertezas. Aquelas velhas dúvidas e incertezas que a faziam querer fugir, de tudo e de todos e ficar, pelo menos por instantes, em um mundo só dela e de mais ninguém. Mais uma vez, seu mundo saia do lugar quando ela achava que a situação estava sob controle. E ela, mais uma vez, não sabia o que fazer.
E pensava. Pensava em todo o caminho percorrido. Pensava em tudo que vivera até aquele momento. Pensava no tempo que ela desperdiçara e no tempo que ela continuava desperdiçando. Fosse por falta de coragem de mudar ou mesmo por acomodação. Pensava na vida como um todo. E de tanto pensar, chegou a conclusão que tudo, mais uma vez, ia acabar em pensamento.
A primeira impressão que ela passava era de ser uma mulher de personalidade forte, determinada, diferente de todas e orgulhosa disso. Provavelmente eram os cabelos que causavam essa impressão, em certas partes verdadeira, diga-se de passagem. Cabelos esses de um vermelho tão forte e intenso que assustavam ao primeiro olhar, mas apaixonavam aos olhares seguintes. Ela sabia disso e usava, mesmo que inconscientemente esse poder de atração, de Femme Fatale, ao seu favor.
Tudo, pela primeira vez em anos, parecia estar no lugar onde sempre deveria estar. As brigas de família já não tinham tanta importância quanto antes. As brigas com o namorado muito menos. Aliás, que namorado?! As cobranças, as pressões, o que antes a enchia de angústia, tinham dado lugar aquela sensação de segurança que ela transmitia no olhar. Tudo, pela primeira vez em anos, parecia estar no lugar onde sempre deveria estar.
Mas como nem tudo são rosas (mesmo que aquelas rosas combinassem com seus cabelos), aquela sensação de segurança ia dando lugar a dúvidas e incertezas. Aquelas velhas dúvidas e incertezas que a faziam querer fugir, de tudo e de todos e ficar, pelo menos por instantes, em um mundo só dela e de mais ninguém. Mais uma vez, seu mundo saia do lugar quando ela achava que a situação estava sob controle. E ela, mais uma vez, não sabia o que fazer.
E pensava. Pensava em todo o caminho percorrido. Pensava em tudo que vivera até aquele momento. Pensava no tempo que ela desperdiçara e no tempo que ela continuava desperdiçando. Fosse por falta de coragem de mudar ou mesmo por acomodação. Pensava na vida como um todo. E de tanto pensar, chegou a conclusão que tudo, mais uma vez, ia acabar em pensamento.
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