terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Monocromáticas...

Abro os olhos com a pouca claridade que começa a entrar no quarto pela fresta aberta da cortina. Lanço um olhar para o teto, cuidadosamente pintado, carregado de orgulho. O rádio liga na hora exata marcada e preenche meus ouvidos com uma música, dona de uma serenidade raramente encontrada. Meu corpo acompanha o movimento dos sons e em alguns segundos me levanto, ligo o chuveiro e sinto água quente escorrer pelo corpo por poucos, mas longos minutos. Me seco, visto e olho meu reflexo no espelho admirado. Sinto o forte de cheiro do café, trazido especialmente de uma montanha na Colômbia, sendo triturado e preparado na máquina. Acendo um Marlboro vermelho e sinto o gosto forte do tabaco secar minha garganta para logo depois o café resolver o problema. Sinto coisas demais em tempo de menos.

Chego no escritório e vejo toda a exatidão que gira em torno de mim, com as roupas alinhadas, os cabelos cortados, os rostos barbeados, as pastas, os cartões, tudo de uma maneira tão cartesiana que faz com que eu perceba que com o passar do tempo, eu tenho me tornado uma parte idêntica a todas as outras desse sistema pobre e alienado que eu sempre odiei mas insisti em aprender a me adaptar. E percebo também, que apesar de repugnar todo esse sentimento, eu meio que o amo. Amo a comodidade de ser alguém, mesmo que igual a todos os outros e todas as facilidades e futilidades que isso me proporciona.

O almoço não é muito diferente das últimas horas e muito menos das próximas, e logo o céu claro vai dando lugar a uma escuridão cada vez mais envolvente. O ar frio que começa a tomar conta dos meus pulmões parece mudar cada pedaço da minha personalidade, cada centímetro da minha alma. E quando eu olho para o céu totalmente tomado pela escuridão percebo que tudo que eu sentia antes, se torna obsoleto e ultrapassado. Tudo é novo e diferente.

Ando pelas ruas escuras abarrotadas de gente até ficarem vazias. Ando pelos becos silenciosos, só pra sentir a adrenalina e o perigo que só a escuridão te proporciona. Atravesso as ruas desertas sem nem me preocupar em olhar para qualquer um dos lados. Tudo se torna indiferente, inexpressivo, inconsequente, perto da minha liberdade.

A serenidade de antes dá lugar a inconstância e os sentimentos se confudem e se misturam inexplicavelmente. Ficar em pé se torna cadê vez mais difícil. As linhas ficam cada vez mais tortuosas e inconstantes. Os reflexos no vidro fogem a sua natureza e se movem independente de qualquer coisa. Quebro os vidros, mas não quebro os reflexos. E meu corpo não responde a mais nenhum comando. As cores vão se reduzindo continuamente, até só sobrar o preto e o branco. E o que antes era branco, agora é preto. Assim como o sangue que escorre da minha mão, cortada pelo vidro. Tudo parece mudar a cada instante. Tudo muda a cada instante. Mudo coisas demais em tempo de menos.

E em meio a tantas mudanças, volto para o início, para as paredes pintadas, para o som sereno, para o calor, para o aroma, para o cigarro. Volto para onde estava e tento mudar tudo, ao invés de mudar a mim mesmo. E mudo a música, mudo a bebida, mudo o cigarro, pinto as paredes com o preto do meu sangue até ficar exausto de tantas mudanças e cair inconsciente na cama. E após tantos anos de igualdade, tudo muda de repente. Mudo coisas de menos em tempo de mais.

Abro os olhos com a pouca claridade que começa a entrar no quarto pela fresta aberta da cortina. Lanço um olhar para o teto e esboço um sorriso ao ver o vermelho desorganizado espalhado pelas paredes do quarto...