quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Sobre Abóboras, Ratos e Sapatos...

Poucos sabiam de sua existência. Ficava trancafiada no quarto, com seus livros estranhos e sempre falando sozinha. Não tinha amigos e pouco se importava com isso. A "família" já não lhe dava mais tanta importância. Afinal, ela deixava claro, sempre que possível, que aquela não era e nunca seria sua família.

Sua mãe morrera no parto. Dela, as únicas coisas que restaram, foram os milhares livros guardados no seu quarto, os quais só ela sabia do que se tratavam, e a fama de ter conseguido o marido através de um antigo ritual demoníaco, passado por gerações no ramo feminino de sua família, que lhe custara a alma. O pai, um rico comerciante, morreu anos após o segundo casamento, quando ela não passava de uma simples criança. Mas sua ausência após a morte era pouco diferente de sua ausência em vida e isso fez com que ela se acostumasse, desde sempre, com a solidão.

Fora criada pela madrasta e suas 2 filhas. Mas o seu temperamento arisco e sua personalidade forte acabaram desgastando qualquer tentativa de relacionamento com as mulheres da casa. E pouco a pouco ela foi se isolando de tudo e de todos, até chegar o ponto de ficar trancafiada no quarto, ao ponto de ninguém saber o que ela fazia ou do que gostava. E ela estava bem assim.

Ninguém fora daqueles muros sabia como era o rosto da filha da bruxa. E nem precisava saber. Os dias, os meses, os anos passavam e ela continuava trancafiada no quarto, entretida nos livros da mãe. Até "aquele" dia.

Naquele dia ela completava seu décimo-oitavo aniversário. Naquele dia ela se tornava capaz de colocar em prática qualquer um dos ensinamentos dos velhos livros da mãe. Ela passara dezoito anos esperando esse dia. E esse dia finalmente tinha chegado.

Destrancou o quarto, foi até a cozinha e pegou uma abóbora. Trouxe-a de volta pro quarto e colocou seus ratos (sim, ela criava ratos no quarto, e os considerava seus "amigos") na abóbora, acendeu algumas velas e leu um dos velhos livros. Após alguns minutos recitando um velho poema em latim, uma fumaça densa tomou conta de seu quarto. A luz do Sol cessou e parecia que o tempo havia parado lá dentro. E no meio de tanto mistério, só se destacavam 2 olhos vermelhos brilhando através da densa fumaça na escuridão.

Não. Não existia fada-madrinha pra ela. E em pouco tempo (ou muito tempo, já que naquela dimensão criada na atmosfera do próprio quarto o tempo simplesmente não passava) ela selava seu acordo. Afinal, algumas almas eram um pequeno preço a pagar pela conquista de todos seus desejos e toda sua liberdade.

Naquela noite ela saira de casa pela primeira vez em anos. Fora a um aniversário de dezoito anos. Poderia ser o dela, mas não era. E enquanto andava pelas ruas em direção ao baile, vestidos e sapatos de couro, cabelos negros como a noite, e pele branca como a lua, foi observando os olhares atentos e hipnotizados sobre ela.

E dançou como nunca havia dançado. E conquistou como nunca havia conquistado. E entre essas danças e conquistas, achara seu "príncipe" que se tornara encantado após conhece-la. E foi embora a meia noite, como mandava o figurino. Não sem antes esquecer o sapato, não de cristal como nos contos de fada, mas de couro, pra combinar com sua personalidade.

E claro que seu príncipe buscou a dona do sapato. E claro que achou. E claro que acabaram se casando e se mudando pra uma mansão em algum lugar afastado de tudo. E claro que tudo terminou bem para a "mocinha" do nosso conto.

E quanto a madrasta e as irmãs?! Bom... aqueles olhos vermelhos não costumavam fazer acordos de graça...


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Porque contos de fadas podem ser mais sombrios do que parecem...

Voltando a postar. Ou não.