sexta-feira, 11 de abril de 2008

Xeque-Mate

Cada peça estava estrategicamente posicionada. Os peões na linha de frente, prontos para defender seu reino a todo custo. As torres nos cantos, prontas para atacar qualquer um que tentasse invadir seu território. A cavalaria pronta para agir assim que fosse ordenada. Os bispos ao lado do Rei e da Rainha, usando de toda sua influência e de toda sua astúcia. E finalmente, o casal real. A Rainha, jovem, vigorosa, perspicaz, pronta para derrotar qualquer um que cruzasse seu caminho. E o Rei. Apesar da idade avançada e dos movimentos debilitados, já tinha passado por inúmeras batalhas como essa, e sabia exatamente como comandar suas tropas a vitória.

Mais do que um jogo. Uma batalha. Mais do que uma simples batalha. Uma batalha pela honra. Quem quer que caísse, cairia com todas as suas forças. Seria a última e derradeira disputa pela honra, entre aqueles 2 reinos, entre aquelas 2 vidas. Pretas e Brancas. Forças iguais, que só iriam se diferenciar com a vitória ou a derrota. Forças iguais e ao mesmo tempo muito diferentes.

O monarca branco dá seu sinal. A batalha tem seu início. Um peão, arrojado, corajoso, impetuoso, começa sua luta. O monarca preto dá seu sinal. Um cavaleiro, rápido, forte, resistente, corre pelo campo. Movimento após movimento. Cada passo pensado e calculado friamente. Cada passo em busca da queda do adversário. Que vença o melhor exército. Que vença o melhor estrategista.

A batalha continua a todo o vapor. Peões sucumbem. Torres são destruídas. Cavaleiros caem de suas montarias com destino ao abismo da morte. Bispos são assassinados em nome de Deus. Cada exército mostra suas forças e suas fraquezas a cada passo. A destruição aos poucos vai dando forma ao vencedor.

A Rainha branca sofre um golpe mortal do bispo preto. Um punhal cravado em seu peito faz a soberana daquele império se transformar numa mera mortal, frágil e vulnerável como todas as outras. Ela não tem mais forças para continuar. Deixa para seu esposo o pedido de vingança, o qual ele, com ódio no olhar, dá-lhe a confirmação que ela precisava para partir em paz.

Os exércitos quase não existem mais. O casal preto está acompanhado de seu bispo. O monarca branco está acompanhado de seu fiel cavaleiro, e de seu mais nobre peão. Os últimos e derradeiros movimentos definirão quem é o melhor. O rei branco, tomado pelo ódio, ordena o ataque de seu cavaleiro. Mas antes que este chegue a seu destino, a rainha preta sucumbe. E logo após ela, o rei preto.

Caído, sem forças, o monarca preto só teve tempo de ver o sorriso no rosto de seu bispo. A traição era eminente, mas ele preferira ignorá-la em prol da batalha. Pagara o preço por isso. Do lado branco, o cavaleiro e o peão comemoravam, enquanto o rei mostrava tristeza em seu olhar. Não era dessa maneira que ele queria vencer. Sua honra tinha sido jogada no lixo com aquela traição que tirara sua verdadeira vitória.

Ele não tinha mais motivos para continuar vivo. Sua esposa tinha caído. Sua honra estivera ao alcance das mãos e ela a deixara escapar. Com um último movimento de sua espada, cravou a lâmina em seu próprio peito, e foi ao encontro de sua amada e de seu nobre inimigo.

O peão olhava assustado e não entendia o motivo daquilo. O cavaleiro, um pouco mais esperto, sentia-se orgulhoso da nobreza de seu falecido rei. O Bispo ria com todas as suas forças. Seu plano estava completo. Não existia mais pretas e brancas. Tudo se misturava em um tom de cinza com o vermelho do sangue dos caídos. E ele, o astuto Bispo, se tornava agora o novo Rei, naquela fusão de cores, naquele novo reino. Pelo menos até a próxima batalha...

sexta-feira, 4 de abril de 2008

O conto do céu desconhecido...

Que Saramago me perdoe! O texto vai ser polêmico, não espero que muita gente entenda o verdadeiro sentido dele, mas eu gostei e queria ver a opinião de algumas pessoas, e peço que comentem só quem leu ele todo. Uma paródia religiosa ao conto da ilha desconhecida de José Saramago:

"Um homem foi bater a porta de Deus e disse-lhe; Dá-me respostas. A casa de Deus tinha muitas portas, mas aquela era a das orações. Como Deus passava quase todo tempo na porta dos oferendas (pra onde você achou que o dízimo ia?), ele muitas vezes esquecia da porta das orações, e só quando o som das trombetas dos Tronos ressoava alto pelo salão celestial e tirava o sossego à vizinhança (as pessoas começavam a murmurar, que Deus temos nós, que não atende), é que dava ordem ao Arcanjo mais próximo para saber o que era tão importante. Então, o Arcanjo chamava um Serafim, que chamava um anjo, e assim sucessivamente, até chegar em um Querubim, o qual não tendo ninguém a quem mandar, entreabria a porta das orações e perguntava pela fricha; Que é que tu queres? O suplicante dizia ao que vinha, ou seja, pedia o que tinha a pedir e depois instalava-se a um canto da porta, esperando a resposta. O pedido fazia o caminho inverso, e chegava ao Querubim a ordem de dizer sim ou não, conforme a Maré.

Contudo, no caso do homem que queria respostas, as coisas não se passaram bem assim. Quando o Querubim lhe perguntou pela nesga da porta, Que é que tu queres, o homem, em lugar de pedir, como era costume de todos, saúde, riqueza, casamento, filhos, respondeu, Quero falar com Deus, Já sabes que Deus não pode vir, está na porta das oferendas, respondeu o Querubim, Pois então vá lá dizer-lhe que não saio daqui até que ele venha, pessoalmente, saber o que quero, rematou o homem, e deitou-se ao comprido no limiar, tampando-se com a manta por causa do frio. Entrar e sair só por cima dele. E isso era um problema, já que a pragmática das portas dizia que só podia ser atendido um suplicante de cada vez.

No caso que estamos narrando, o resultado da ponderação entre os benefícios e os prejuízos foi ter ido Deus, em real "pessoa", à porta das orações, para saber o que queria o intrometido que se havia negado a encaminhar o requerimento pelas competentes vias burocráticas. Abre a porta, disse o rei ao Querubim, e ele perguntou, Toda ou só um bocadinho. Deus duvidou por um instante, mas depois percebeu que pareceria mal, o Todo-Poderoso falar com um fiel através de uma fresta, Toda, ordenou Deus.

O inopinado aparecimento de Deus (nunca tal coisa havia sucedido desde que ele andava de auréola na cabeça) causou uma surpresa desmedida, não só aos oradores, mas também à vizinhança que, atraída pelo repentino alvoroço, assomaram-se nas janelas das casas celestiais, do outro lado da rua. A única pessoa que não se surpreendeu por aí além foi o homem que tinha vindo atrás de respostas.

Repartido pois entre a curiosidade que não pudera reprimir e o desagrado de ver tanta gente junta, Deus tratou logo de fazer 3 perguntas seguidas, Que é que tu queres, Por que foi que não disseste logo o que querias, Pensarás tu que não tenho mais nada que fazer, mas o homem só respondeu à primeira pergunta, Dá-me respostas, disse. O assombro deixou Deus a tal ponto desconcertado, que o Querubim tratou logo de pegar o banquinho o qual ele próprio usava quando precisava trabalhar.

Mal sentado, pois o banquinho era pequeno e incômodo, Deus perguntou, meio a contragosto, E tu quais respostas desejas obter, pode-se saber, Eu quero saber por que não me fizeste ignorante como muitos outros, respondeu o homem, Mas a ignorância é um defeito, e não uma qualidade, respondeu Deus, disfarçando o riso, como se tivesse na sua frente um louco varrido, Pelo contrário, a ignorância é a maior das virtudes, respondeu o homem, Disparate, eu criei os defeitos e as virtudes e sei quais são quais, respondeu Deus, Quem foi que te disse, Deus, que as vezes as coisas não podem se modificar ao longo do tempo, Porque elas sempre foram assim, Elas sempre foram até mudar, Eu sou o Deus desse mundo e sei o que muda e o que não muda, sem mim vocês não são nada, Pelo contrário Deus, sem nós tu não és nada, sem nossa crença, nossa fé, o senhor não teria razão para existir, mas nós continuaríamos.

Deus, um pouco mais sério, perguntou-lhe, Então me digas por que a ignorância se tornou uma virtude, Porque, Deus, graças a ela as pessoas podem ser felizes, respondeu o homem, Como assim felizes, Bom, as pessoas ignorantes, não se preocupam se vêem aqueles que deveriam nos ajudar nos prejudicam, não se preocupam com as injustiças, nem com os problemas do mundo, nem com a vida sofrida alheia, Deus, elas só se preocupam em serem felizes, sem ligar para o que passa sua volta, fingindo que não é com elas, ou mesmo não entendendo o que se passa ao seu redor, pelo contrário, elas precisam de pouco para serem felizes, não importa se tem gente passando fome, se tem gente morrendo pela violência, gente largada na rua, o que importa é dar a oferenda ao senhor, ir a missa todos os domingos, mesmo que quando sair da igreja faça tudo ao contrário, o que importa é ver seu time vencer, e ter a cerveja do final de semana para comemorar.

Então, afinal, o que é que desejas, perguntou-lhe Deus, Desejo que me faça um ser ignorante, Pois bem então, vou dar-te a ignorância, mas as conseqüências serão tuas. Os gritos e aplausos do público não deixaram Deus ouvir o agradecimento do homem e nem seu pedido de um fígado extra para as cervejas dos finais de semana. Deus já havia voltado a porta das oferendas, e a hierarquia na porta das orações voltava a ser a mesma. Pelo menos por enquanto..."


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Se quiserem me xingar de Herege, me xinguem com conteúdo! Hahahahaha!
E fica aqui uma pergunta: Será que valeria a pena ser ignorante e alienado em prol da própria felicidade? Cá pra mim, não sei!

Abraço!

terça-feira, 1 de abril de 2008

A Grande Mentira

Os risos abafados se revezavam com escassos e singelos choros e exclamações de dor. Os sorrisos pelo ambiente se misturavam com as lágrimas. Aquilo poderia parecer tudo, menos o que era. Um velório.

Mas como esperar uma morte comum, de alguém que, em momento nenhum da vida, tivera essa característica como marca de sua personalidade? Não, ele não era comum. Nem incomum ou raro. Ele era único.

Seus pais, um palhaço aposentado e uma professora primária de história, deram-lhe o nome de Lord Kimb. Uma analogia, é claro ao Deus Nórdico da trapaça, LoKi. E nunca um nome serviu tão bem à uma pessoa, quanto para ele. Não se sabe se o nome o tinha inspirado, a fazer o que fazia, mas uma coisa era certa: ninguém tinha a capacidade de enganar tão bem quanto ele.

Desde criança, ele manifestava essa peculiaridade. Induzia os colegas todos a se unirem para realizarem alguma coisa grande, que seria impossível de ser feita sozinha, e enganava a todos para conseguir o que queria, ou muitas vezes por capricho, para mostrar a sua superioridade em relação aos demais. Quem poderia resistir aquele enorme e carismático sorriso? Sem mencionar os olhos, tão verdadeiros que pareciam falsos! E tão falsos, que pareciam verdadeiros...

Mas isso era só o começo daquela longa, e agora trágica, jornada através dos diversos campos da manipulação e da perspicácia. As "brincadeiras" foram ficando maiores, assim como os desejos e a megalomania mais do que insana. Cada vez mais, ele queria provar que era superior, melhor, mais esperto. E usava de todas suas artimanhas para enganar qualquer um que "ameaçava" sua hegemonia intelectual.

Aos poucos o que começou como diversão, foi se tornando seu modo de vida. Ele não trabalhava mais. Não era necessário. A facilidade em aplicar um golpe, e a enorme rentabilidade que eles lhe proporcionavam, era mais do que suficiente para largar toda e qualquer tentativa de "vencer" honestamente.

Não, ele não precisava disso. Isso era para os fracos, os desprovidos de um intelecto superior como o dele. Ele era melhor que todos eles e não iria perder seu tempo naquele ciclo vicioso que não o levaria a lugar nenhum. Pra que usar a escada, se ele tinha um elevador a sua disposição?

Ele não acreditava em Deus. Ou talvez até acreditasse, mas a idéia de ter alguém que sabia mais que ele, era assustadora. Ele acreditava nele mesmo. E era mais do que suficiente.

Já tinha interpretado todo tipo de papel naquela enorme peça que era a vida. E com um palco do tamanho da Terra, oportunidades era o que não lhe faltava. Empresário de sucesso, esportista premiado, autor de best-sellers, herdeiro de uma nobre família inglesa, professor acadêmico (e este tinha tido um sabor mais do que especial! Como fora bom enganar aqueles que se julgavam mais inteligentes que ele!), arqueólogo, em raras ocasiões, até mesmo mendigo. Cada papel que "interpretava", lhe dava a certeza de que ele era o melhor que todos os outros.

Mas como toda boa tragédia, o teatro da vida reservava suas surpresas e ironias. Aquela certeza de superioridade que Lord Kimb sempre buscou, aquela que ele julgava ser sua maior vantagem, acabou se transformando na sua maior fraqueza.

Aquela megalomania excessiva, aquele senso de superioridade imenso, o egocentrismo mais do que exacerbado, fizeram com que o trapaceiro fosse pego em sua própria trapaça. Ele, que desde o começo tratava seus jogos manipuladores como obras de arte, cometera o maior erro que um artista como ele poderia cometer. Assinar sua obra.

Ninguém nunca tinha descoberto suas farsas, e no final, ele sempre saia rindo de tudo e de todos, idiotas inferiores, que só serviam para sua sádica diversão. Mas por um pequeno descuido, um simples ato falho, fez ruir seu império de sadismo e mentiras. Ele fora descoberto. Alguém, em algum lugar, tinha conseguido ganhar dele em seu próprio jogo.

Existe algo pior para alguém que se achava superior por ser perfeito na arte de enganar, do que ser enganado? Aquilo era mais do que ele poderia suportar. Aquela busca pela perfeição o tinha deixado louco, e a descoberta que ele não era imune o fizeram tomar aquela última e desesperada atitude.

Uma arma em punho, uma bala no tambor, um dedo no gatilho, um barulho ensurdecedor e um rastro de sangue. Tudo tinha ido embora em um instante, em um segundo. Toda aquela teia de falsidades que ele teceu ao longo da vida, ruira com uma simples bala. O teatro da vida tivera seu Gran Finale.

O seu velório continuava com aquele jeito peculiar. Mas pra uma vida repleta de peculiaridades, o que seria uma morte simplória? Ele vivera pela mentira, e não tinha outro jeito de morrer, se não fosse por ela. E mesmo após a morte, as mentiras continuavam. Fosse tristeza, fosse alegria, a sinceridade não era algo presente naquele lugar.

Mas quem sabe, aquele enorme e carismático sorriso, aliado com aquele olhar verdadeiro, não tivera a chance de realizar uma última e derradeira trapaça? Quem sabe ele não tenha tido a chance de enganar a própria morte e esteja vagando por aí, como um mendigo, um professor, ou um empresário de sucesso, como um coadjuvante a espera de reassumir seu papel de destaque na maior de todas as peças? Sinceramente? Não sei...

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Feliz dia da Mentira!